Janaina Paschoal: “falta no STF alguém que entenda que não se faz dinheiro do nada”

Por: Cedê Silva

Em entrevista exclusiva para ‘A Agência’, líder do impeachment de Dilma diz que mulheres não devem se intimidar na hora de conquistar cargos na política

Janaina Paschoal: STF deveria ter um ministro que entenda de responsabilidade fiscal. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Janaina Paschoal: STF deveria ter um ministro que entenda de responsabilidade fiscal. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado


Janaina Paschoal foi protagonista do principal momento político da história recente do Brasil: o impeachment de Dilma Rousseff. Co-autora do texto que mostrou os crimes de responsabilidade da hoje ex-presidente, a advogada e professora da Faculdade de Direito da USP continua nos holofotes neste ano de eleição. Declarou voto em Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera todas as pesquisas de intenção de voto sem Lula, e se filiou ao partido dele. Nesta entrevista exclusiva para A Agência, Janaina Paschoal faz críticas ao trabalho do STF, classifica de “teratológica” a tentativa do desembargador Rogério Favreto em soltar Lula, e afirma que as mulheres não devem se intimidar na hora de conquistar cargos na política.

A Agência – A senhora já disse que pretende votar em Jair Bolsonaro para presidente. O próximo presidente indicará ao menos dois ministros para o STF, já que Celso de Mello e Marco Aurélio Mello terão de se aposentar. Qual perfil o próximo presidente deveria buscar na hora de indicar os novos ministros do STF?

Janaina Paschoal – Olha, além da capacidade técnica e da honestidade, o próximo ministro precisará ser muito corajoso, pois há muito a enfrentar no próprio Supremo Tribunal Federal. Seria importante ser alguém com experiência na área penal e, preferencialmente, oriundo da magistratura, sendo certo que dou preferência a um magistrado concursado. Quero deixar bem claro que não corroboro o entendimento de que apenas concursados ou magistrados de carreira deveriam compor o STF, não é isso. No entanto, esse perfil está fazendo falta na atual composição da Corte. Ademais, o Ministro Teori tinha esse perfil e, com sua morte [em um desastre de avião em janeiro de 2017], de certo modo, ficou um vácuo. Já a segunda vaga poderia ser ocupada por alguém que entenda de Responsabilidade Fiscal, mas não os muitos especialistas que correram para dizer que Dilma só tinha praticado uma “infração contábil”. Esses “especialistas” não estão preocupados com o Brasil. Sinto que falta no STF alguém que tenha consciência de que não se pode fabricar dinheiro do nada. Na hipótese de ser chamado um magistrado, penso ser importante fazer uma análise da decisões exaradas. Não com o fim de policiamento ideológico, mas para ver se se trata de uma pessoa coerente. O que mais me apavora em um juiz é julgar de um jeito para uns e de outro para outros. Isso é imperdoável!

A Agência – O desembargador Rogério Favreto, enquanto estava de plantão, por três vezes mandou soltar o ex-presidente Lula. Muita gente criticou a decisão de Favreto, e houve também quem criticasse o juiz Sergio Moro pelo seu despacho contrário à decisão dele. A senhora compartilha da opinião de que o juiz Moro também errou nesse caso?

Janaina Paschoal – Entendo que os magistrados Moro e Gebran apenas corrigiram a decisão teratológica prolatada pelo magistrado plantonista, como bem definiu a Ministra Laurita Vaz. Nesse contexto, não consigo compreender o fato de os dois primeiros magistrados estarem sendo investigados, ao lado do terceiro, pelo CNJ.

A Agência – Em artigo recente no JOTA, o jornalista Felipe Recondo critica a divisão de trabalho no STF em duas Turmas nos casos criminais. No entendimento dele, a chance de “o julgamento pelas turmas ampliar a divisão interna e fomentar as políticas individuais é significativamente maior”. A recente sessão da 2ª Turma que soltou José Dirceu e “a perspectiva de que os ventos mudarão simplesmente com a troca de uma das cadeiras” seriam a prova mais evidente de que a solução criou o problema. Além disso, as sessões das Turmas não são transmitidas ao vivo na TV Justiça, como ocorre no plenário. Qual a avaliação da senhora sobre a divisão das pautas criminais do STF nas Turmas?

Janaina Paschoal – Veja, entendo que regras claras são mais seguras para todos. É difícil fazer críticas em conjunto, ou seja, sem verificar as peculiaridades de cada caso. O que posso dizer é que fiquei bastante incomodada com alguns arquivamentos monocráticos, que foram feitos sem a solicitação do Ministério Público e depois de o próprio STF ter decidido que quando os crimes, em tese, tiverem sido praticados fora do exercício da função parlamentar, a competência seria da primeira instância. Com isso, não estou dizendo que haveria ilicitudes, mas a clareza de critérios traz maior segurança a todos.

A Agência – Um ministro do STF pode basicamente trabalhar de três formas: tomar uma decisão monocrática, lançar a pauta para a Turma ou ainda jogar para o Plenário. Para o público parecem faltar critérios claros de como essa decisão é tomada. Como hoje um ministro decide se age monocraticamente, discute na Turma, ou discute no Plenário? E como esses critérios poderiam ser mais bem conhecidos?

Janaina Paschoal – Em certa medida, penso ter respondido no item anterior. Talvez fosse interessante que as Turmas cuidassem para não desrespeitar as decisões do Pleno. Também passa bastante insegurança o fato de o mesmo caso ser rediscutido inúmeras vezes, quando se sabe que o mesmo proceder não ocorre com os simples mortais. Outro ponto que tem me intrigado diz respeito às petições avulsas. Em alguns casos, notei que houve denegação da liberdade em sede de habeas corpus e o pleito é refeito como petição avulsa. Isso também gera bastante insegurança, pois inquéritos, ações penais e habeas corpus são normalmente acompanhados, mas, de repente, pode surgir uma decisão numa petição avulsa.

A Agência – O STF hoje é mal avaliado pela população. Em pesquisa da Ipsos divulgada em agosto de 2017, o ministro Gilmar Mendes tinha 67% de desaprovação; a presidente Cármen Lúcia, 47%. Assim que foi lançado o seriado O Mecanismo, teve grande repercussão nas redes sociais a cena em que os personagens na cadeia comemoram seus casos terem ido parar no STF, gritando: “foi pro Supreeeemoooo!”. A senhora compartilha da opinião de que o STF é ao menos em parte responsável pela impunidade a crimes de colarinho branco no Brasil? Por quê?

Janaina Paschoal – No passado recente, houve algumas grandes investigações anuladas, sendo certo que provas importantes foram simplesmente desconsideradas. Já há um tempo, um discurso vem sendo construído também com o fim de desmerecer e, ao que parece, anular a Lava Jato, se não para todos os por ela alcançados, para os mais importantes. Essa possibilidade fica muito clara nas intervenções de alguns ministros, gerando um grande desconforto na população, que sabe que a depuração do País depende da punição dos poderosos, que se valem dos cargos para desviar recursos públicos. Educação, saúde e segurança não melhorarão se a corrupção não for enfrentada. E não interessa punir apenas o varejo.

A Agência – O professor Ricardo Lodi Ribeiro, da UERJ, sustenta que as “pedaladas fiscais” violam a Lei da Responsabilidade Fiscal, mas não a Lei Orçamentária Anual, que constituiria o bem jurídico tutelado pelas leis envolvendo crime de responsabilidade. Portanto, um impeachment não poderia ser baseado em pedaladas fiscais. Como a senhora responde a esse argumento?

Janaina Paschoal – O professor Lodi, ao fazer tal observação, desconsidera que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal determinou que as inobservâncias aos seus termos seriam punidas pela Lei Penal, pela Lei de Improbidade Administrativa e por meio de Impeachment. Tanto é assim que, logo após à edição da Lei Complementar 101/00, houve a criação de um novo título, no Código Penal, punindo os crimes contra as finanças públicas, bem como uma reformulação da Lei 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade do Presidente da República. Com todo respeito, a objeção do Professor Lodi não faz sentido, pois se fosse verdade que violações à Lei de Responsabilidade Fiscal não ensejam impeachment, a lei que prevê o impeachment não teria sido modernizada em decorrência daquela. Ademais, não se pode esquecer que além da indevida utilização dos bancos públicos para pagamento de programas sociais e empresariais, não houve a contabilização, o que constitui comportamento correlato à falsidade ideológica e compromete o decoro do cargo, como comprometem as remessas de dinheiro público, aos bilhões, para as ditaduras amigas e os benefícios conferidos a empresários amigos, por meio da Petrobrás e do BNDES, situações gravíssimas que constavam de nossa denúncia.

A Agência – O termo “pedaladas fiscais” é o termo correto ou já é um eufemismo? O correto não seria “fraude fiscal”?

Janaina Paschoal – Pedalada fiscal não é um nome técnico. A rigor, trata-se de terminologia coloquial utilizada para significar o uso do dinheiro de outrem para pagar dívidas próprias. No caso da presidente Dilma, a situação foi especialmente grave pelo tempo, pelos valores envolvidos e pela não contabilização. O uso do dinheiro dos bancos públicos já seria absolutamente ilícito e já constituiria pedaladas. Mas a não contabilização, com o fim de gerar sensação de saúde financeira, caracteriza a fraude.

A Agência – A senhora é uma das poucas mulheres com destaque na política brasileira, ainda dominada quase toda por homens. Quais recomendações a senhora tem para mulheres que também desejam participar da política no Brasil?

Janaina Paschoal – Digo que não devem se intimidar por serem mulheres. Que não devem aguardar que um homem lhes abra a porta. Espaço não se ganha, mas conquista. Também penso ser importante ter bem presente que não existem cargos para homens e cargos para mulheres. Há cargos para pessoas. Ainda que tenham entrado na política por algum tipo de cota, devem se dedicar para honrar a função exercida. E política não se faz apenas na vida partidária. A participação social é uma forma de fazer política.

A Agência – Este é um ano eleitoral, em que o brasileiro votará para Presidente, Governador, dois Senadores, e deputados federais e estaduais. Como o eleitor pode se preparar para fazer escolhas melhores?

Janaina Paschoal – De todos os equívocos, penso que o maior seja a omissão. Não aconselho voto em branco, nem nulo. Cada eleitor deve ouvir os candidatos, ler sobre seu passado, avaliar suas propostas, verificar envolvimento em situações de desvios de verba e tentar, ainda que seja por exclusão, definir qual o melhor. Caso o candidato venha a decepcionar, havendo medidas, que sejam tomadas; não havendo, na próxima eleição, cabe fazer essa lição de casa de novo. Só não me conformo com pessoas que não reconhecem os erros – e até os crimes – praticados por seus eleitos, com medo de reconhecer o equívoco no voto dado. Democracia é um exercício constante.

Fonte: A Agência

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